terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Não há ato mais infame do que roubar




Gostei muito do livro de  Khaled Hosseini, famoso escritor do livro o Caçador de Pipas, Livro que além de muito envolvente, é de fato uma boa leituraMas definitivamente uma parte que me fez questionar, um diálogo entre Baba e seu filho Amir. Este aqui:

Estávamos no escritório de baba, a tal "sala de fumar", quando eu lhe disse o
que o mula Fatiullah Khan tinha nos ensinado na aula. Baba estava se servindo de
uísque no bar que tinha mandado fazer no canto da sala. Ele me ouviu, assentiu com a
cabeça, tomou um gole da bebida. Depois sentou no sofá de couro, deixou o copo de
lado e me pôs no colo. Senti como se estivesse me sentando em um par de troncos de
árvore. Respirou fundo, exalou pelo nariz e o ar pareceu ficar assobiando em seu
bigode por uma eternidade. Eu não conseguia decidir se queria abraçá-lo ou pular fora
do seu colo, apavorado.
— Pelo que vejo, você está confundindo o que aprende na escola com a educação
de fato — disse ele com aquela sua voz grave.
— Mas se o que ele disse é verdade, você não é um pecador, baba?
— Humm. — Baba trincou um cubo de gelo com os dentes. — Quer saber o
que seu pai acha sobre essa história de pecado?
— Quero.
— Pois então vou lhe dizer, mas, primeiro, entenda bem isso, e entenda de uma
vez por todas, Amir: você nunca vai aprender nada que preste com esses idiotas
barbudos.
— Você quer dizer o mulá Fatiullah Khan?
Baba fez um gesto, com o copo na mão. O gelo tilintou.
— Eles todos. Estou cagando para as barbas de todos esses macacos hipócritas.
Comecei a rir. A imagem de baba cagando na barba de qualquer macaco,
hipócrita ou não, era demais...
— Tudo o que sabem fazer é ficar desfiando aquelas contas de oração e
recitando um livro escrito em uma língua que às vezes nem entendem — prosseguiu
ele, tomando mais um gole de uísque. — Que Deus nos proteja se algum dia o
Afeganistão cair nas mãos dessa gente.
— Mas o mulá Fatiullah Khan parece legal — consegui balbuciar tentando conter
o riso.
— Gengis Khan também — disse baba. — Mas chega desse assunto. Você
perguntou sobre pecado e quero lhe dizer o que penso a este respeito. Está me
ouvindo?
— Estou — disse eu apertando os lábios. Mas o riso escapou pelo meu nariz
fazendo um barulho que parecia um ronco. O que me fez recomeçar.
Os olhos duros de baba se fixaram nos meus e bastou isso para eu parar de rir.
— Estou tentando falar com você de homem para homem. Será que ao menos
uma vez na vida consegue dar conta disso?
— Consigo, baba jan — murmurei espantado, e não pela primeira vez, ao ver
como ele podia me atingir com tão poucas palavras. Por um instante, tínhamos tido
um momento maravilhoso. Não era sempre que meu pai conversava comigo, e menos
ainda me sentava em seu colo. E fui um idiota em estragar tudo.
— Ótimo — disse baba, mas os seus olhos não demonstravam lá muita convicção.
— Pouco importa o que diga esse mulá; existe apenas um pecado, um só. E esse pecado é
roubar. Qualquer outro é simples mente uma variação do roubo. Entende o que estou
dizendo?
— Não, baba jan — respondi querendo desesperadamente entender. Não gostaria
de desapontá-lo de novo.
Baba soltou um suspiro de impaciência. O que também me atingiu, pois ele não era
um homem impaciente. Lembrei de todas as noites em que chegou bem tarde, todas
aquelas noites em que tive de jantar sozinho. Perguntava a Ali onde baba estava, a
que horas ia voltar para casa, embora soubesse que ele estava na obra, inspecionando
isso, supervisionando aquilo. Não era algo que exigia paciência? Cheguei a odiar
todas as crianças para quem ele estava construindo o orfanato; por vezes desejei que
todas elas tivessem morrido junto com seus pais.
— Quando você mata um homem, está roubando uma vida — disse baba. — Está
roubando da esposa o direito de ter um marido, roubando dos filhos um pai. Quando
mente, está roubando de alguém o direito de saber a verdade. Quando trapaceia, está
roubando o direito à justiça. Entende?
Eu tinha entendido sim. Quando baba tinha seis anos, entrou um ladrão na
casa de meu avô, no meio da noite. Meu avô, um juiz conceituado, reagiu ao assalto,
mas o ladrão o esfaqueou na garganta, matando-o instantaneamente — e roubando de
baba o seu pai. Os moradores da cidade apanharam o assassino na manhã seguinte,
pouco antes do meio-dia; era um vagabundo da região de Kunduz. Enforcaram o
homem no galho de um carvalho quando ainda faltavam duas horas para as preces da
tarde. Foi Rahim Khan, e não baba, quem me contou essa história. Aliás, eu sempre
ficava sabendo das coisas sobre meu pai por outras pessoas.
— Não há ato mais infame do que roubar, Amir — prosseguiu ele. — Um
homem que se apropria do que não é seu, seja uma vida ou uma fatia de naan...
Cuspo nesse homem... E se alguma vez ele cruzar o meu caminho, que Deus o ajude.
Está entendendo?
Achei a idéia de meu pai espancando um ladrão engraçadíssima, mas, ao mesmo
tempo, assustadora.
— Estou, baba.
— Se existe mesmo um Deus, em algum lugar por aí, espero que ele tenha coisas
mais importantes para fazer do que se preocupar com o fato de eu beber uísque ou
comer carne de porco.

Somente os Santos não são ladrões. A partir do momento que você comete um desvio você está roubando.A diferença é básica entre desvio e crime é que, crime é algo ilegal e imoral é algo punível por lei. Desvio é apenas imoral. Atropelar pedestres é crime. Atravessar fora da faixa de pedestres é desvio. 
 Khaled Hosseini consegue nesse questionamento, colocar crime e desvio no mesmo patamar, o de pecado.
Então logo, somente os Santos não são ladrões.


     

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